quinta-feira, 31 de maio de 2012

Tabagismo



Agosto de 1972. O médico Sergio Carneiro percorria os corredores de um dos hospitais onde trabalhava, numa visita de rotina aos seus doentes.

Inadvertidamente, entrou num quarto que não era de nenhum cliente seu.

Um homem, um senhor, arfava sobre a cama, parte do rosto coberto pela máscara de oxigênio, a armação metálica ao lado, sustentando um frasco de soro, ministrava-lhe o líquido na veia.

Ao pé do leito do paciente, um rapaz velava, tristonho e preocupado.

Sergio, vendo-o sozinho, tentou um gesto de solidariedade:

– Então, como vão as coisas?

– Mal, muito mal. É meu pai. Enfisema. Excesso de cigarro. Começou a fumar com 14 anos, nunca parou, deu nisso...

– Pois olha! – disse o Sergio. “Desde que parei de fumar não consigo nem transar com mulher que fuma. Não agüento nem o cheiro.”

O enfisemado, com um gesto lento, difícil, afastou um pouco a máscara, liberando a boca e declarou, a voz macerada, roufenha, quase sem fôlego:

– Então, o senhor deve estar comendo muito pouca gente...

Dito isso, teve um estertor e deu o último suspiro.

The book is on the table



Dezembro de 1977. Nova York. Ziraldo e sua mulher, Wilma, num hotel grã-finíssimo. De manhã cedo, Ziraldo, devidamente munido do cardápio, foi pedindo seu breakfast à pressurosa telefonista da copa:

– Two cups of tea with lemon, coffe, milk, two three minutes eggs, orange juice, bread, butter, toasts, jelly…

Findo o rol, Ziraldo ouviu a moça afirmar:

– Yes, sir, I remember

Ziraldo comentou com Wilma, desligando o telefone:

– Tudo bem. Ela disse que se lembra de tudo que eu disse.

Passaram-se vinte minutos, meia hora e nada do breakfast. Quarenta e cinco minutos. Ziraldo insiste: e fala em “inglês” com a mesma moça da copa.

– O breakfast está muito atrasado. Já pedi há quase uma hora.

– Yes, sir – disse a moça com convicção. “I remember!”

Ziraldo desligou satisfeito:

– É, ela não esqueceu.

Uma hora e meia e nada da encomenda. Wilma se adiantou:

– Espera, Ziraldo. Deixa que eu falo.

Ligou. Falou com a moça. Desligou, satisfeita. O Ziraldo:

– Afinal o que houve? Ela continuou dizendo que se lembra?

Wilma, com paciência:

– Ela não dizia “I remember”, Ziraldo. Ela queria o “room number”, o número do quarto.

Mentecapto



Anos 60. Havia um jornalista no Diário de Pernambuco, um certo Irineu de Souza, que só chegou a repórter por interferência de um deputado seu amigo, pois era muito burro.

Certa vez, chegou a Recife uma jornalista belga de certa importância e mandaram o Irineu entrevistá-la. 

Dia seguinte, escapou o seguinte título na matéria sobre a moça: “Jornalista belgicana visita o Recife”

Em vários pontos do edifício do jornal afixaram os seguintes versinhos:

Jornalista belgicana
No mundo nunca se viu,
Irineu, burro e sacana,
Vá pra puta que o pariu!

O tal Irineu de Souza pediu o boné no mesmo dia

Dedo duro



Dizem que essa história aconteceu com o jornalista recifense Edmundo Celso, um destacado quadro comunista do velho Partidão, apesar de circular em Manaus uma história semelhante, atribuída ao também jornalista Farias de Carvalho, outro destacado quadro do Partidão.

Vamos à versão dos pernambucanos:

Nos anos 60, quando a repressão do governo recrudesceu, o Coronel Alvino, chefe das brigadas anti-subversivas pernambucanas, espécie de extintas volantes sertanejas, prendeu todos os companheiros do PCB com toda ferocidade.

Menos Edmundo Celso, que ficou no maior desapontamento com a discriminação.

Rejeitado e frustradíssimo, deu um telefonema anônimo para o coronel denunciando-se com voz sussurrada:

– Aqui quem fala é um patriota. Eu quero lhe avisar que o pior subversivo de todos está solto, o mais perigoso, o mais cruel e sanguinário. Chama-se Edmundo Celso.

O coronel:

– O quê? O Edmundo Celso? Aquilo é um afofa-bosta! Não passa disso, um afofa-bosta!

Edmundo Celso, desnorteado, denunciou-se para valer:

– Afofa-bosta é a puta que pariu! Ouviu, seu filho duma égua? É a tua mãe!

Foi preso no mesmo dia. Por desacato a autoridade.

Vingança



Essa história se passou com uma conhecida atriz da rede Globo, cujo nome vou omitir para evitar processos indesejáveis.

Sentada no bidê, o esguicho do chuveirinho aberto inteiro, furiosa com o rompimento do noivado por absoluta culpa sua, gritava histérica:

– Bebe, desgraçada, bebe! Já que tu não podes mais comer, bebe!

Assim é se lhe parece



O socialite Celmar Padilha discutia com o maître a qualidade do faisão que lhe foi servido e que ele, gastrônomo e grande conhecedor dos segredos e mistérios de tal caça, não aprovou.

Na mesa contígua, o escritor Carlinhos de Oliveira comentou com desdém:

– Faisão para mim é uma galinha caipira que tomou banho de loja e herdou um título do Country Club...

Pindaíba



O jornalista Paulo Branco, recém-chegado de sua terra natal, Vassouras (MG), anos idos, para se estabelecer de vez no Rio de Janeiro, conheceu todas as intempéries que assolam um iniciante e, acima de todas elas, a mais letal: a pindaíba, a quebradeira, a falta total de numerário.

Logo que chegou, escolheu para abastecer-se um restaurante bem modesto e, consultando o cardápio pela lista da direita, a do preço, comandou um caldo verde.

O garçom berrou para a cozinha:

– Salta um atestado!

Curioso, Paulo quis saber a razão daquele “atestado”.

– De pobreza! – esclareceu o homem.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sete casos de Ênio Silveira


Em 11 de janeiro de 1996, o Brasil perdia uma de seus estudiosos mais influentes: Ênio Silveira. Nascido em 18 de novembro de 1925 e formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), Silveira foi um importante editor brasileiro.

Iniciou sua carreira na Editora Civilização Brasileira, assumindo a direção da editora em 1948, criando novas formas ao material o que levou a um grande crescimento no mercado.

Lançou a revista Civilização Brasileira, marco do pensamento político, cultural e de resistência à ditadura militar. 

Entre os anos de 1964 a 1969, foi preso sete vezes por filiar-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas continuou sua carreira publicando temas políticos e sociais de pensadores marxistas e também de oposição à ditadura no Brasil.

Por conta de suas crenças políticas, Ênio editava livros que raramente chegavam ao Brasil, obras vistas como polêmicas aos olhos de parte da sociedade brasileira.

Na seção “Cadernos do Povo Brasileiro”, escrevia sobre temas da política nacional, de intervenção nas lutas sociais, como a Reforma Agrária, por exemplo.


Quem comprava a coleção ainda recebia um caderninho de poemas chamado “Violão de Rua”, em que publicava obras de importantes artistas do Brasil, como o famoso poema de Vinícius de Morais, o “Operário em Construção”.

O sociólogo foi uma das personalidades mais influentes dos meios editoriais do Brasil durante décadas, principalmente durante a ditadura militar. 

À época do regime militar, chegou a editar um livro por dia e editou cerca de 6 mil livros ao longo de sua vida.

Por todo o seu trabalho com a editora Civilização Brasileira tornou-se memorável e uma marco na sociedade, encantando até o filósofo Jean-Paul Sartre.

Sua morte foi uma grande perda para a cultura nacional, sobretudo por sua defesa à democracia, à cultura brasileira e a intelectualidade tipicamente brasileira.

A Editora Bertrand Brasil publicou a biografia de Ênio Silveira, escrita por Moacyr Félix.

Vale a pena conhecer as ideias e o trabalho de um dos maiores sociólogos brasileiros.



Alguns casos de Ênio Silveira, contados com aquela verve que só ele tinha, foram recolhidos numa longa entrevista para uma série da Edusp, “Editando o editor”. 

Saiu um pequeno volume que acabou sendo uma raridade bibliográfica. 

É o que trago hoje para os leitores do CANDIRU, resumindo um pouco.

1

Com 18 anos, Ênio procura emprego em São Paulo e quer ser apresentado ao escritor-editor Monteiro Lobato. Uma amiga se oferece e o convoca para seu apartamento, onde terá lugar o encontro. Ele entra e ela o chama lá de dentro – do banheiro. Estava esfregando vigorosamente Lobato na banheira, com uma escova. Ênio fica encabulado.

– Ué, você nunca viu um homem nu, menino? – diz a senhora.

– Já vi, mas nesta situação não.

– Senta aí, puxa uma banqueta.

Ênio sentou, achando-se com cara de cretino, enquanto prosseguia o banho. Ali começou sua carreira de editor.

2

Anos depois, Lobato morre, e no seu enterro falam dois oradores, um stalinista, Rossini Camargo Guarnieri, e outro trotskista, Phebus Gikovate, cada qual reivindicando a honra de ter o famoso escritor como correligionário. Os dois se xingam, vão às vias de fato, e acabam rolando na cova aberta. A mulher de Lobato, dona Purezinha, não sabe se ri ou se chora. Ênio se diverte. Achou aquela cena “um negócio maravilhoso”, digno de um filme de Fellini.

3

Uma de suas prisões foi no dia do seu aniversário, 18 de novembro, quando estava recebendo os amigos em casa. Aparece um oficial do Exército, à paisana, para levá-lo preso. Ênio pede a sua mulher, Cleo, que diga aos amigos para continuarem tomando o seu uísque. Vai preparar a maleta e, quando volta, a camapainha toca. Era Antonio Callado. Ênio desconfia que vão querer levar também o amigo, e faz de conta que se trata de um convidado estrangeiro. Avisa assim o que está acontecendo:

– I’m being arrested this very moment. Take care.

Callado entra no jogo, respondendo em inglês, e depois vai embora.

No carro, a caminho da prisão, o oficial pergunta:

– Conhece o Antonio Callado?

– Sim, conheço, sou muito amigo e editor dele.

– Onde é que ele está? É que tenho ordem de prendê-lo também.

Ênio, então, informa que Callado está morando em Paris.

4

O editor da Civilização Brasileira vem andando pela rua México e topa com um sujeito que o abraça efusivamente. Leva um susto:

– O senhor está abraçando a pessoa certa?

– O senhor não é o editor da Civilização Brasileira?

– Sou eu mesmo. Mas não estou reconhecendo o senhor...

– Como pode ter se esquecido de mim? Eu o prendi. Sou um general. Sim, mas passado é passado.

– Mas por que o senhor me abraça?

– Pelo presente. O senhor tem toda razão. Isso que está aí é uma merda. Eles são uns malucos totais, estão fodendo o país, estamos mesmo perdidos.

5

Numa de suas prisões, Ênio se recusa a comer a gororoba que lhe trazem.

– Está fazendo greve de fome? – pergunta o oficial do dia.

– Não, senhor. Estou com uma fome desgraçada.

– Então por que não come? É exatamente a mesma comida que os praças comem.

– Mas eu tenho hábitos burgueses. Aprendi a comer com talheres, com a mão eu não como. Por que não trazem talheres?

– É porque aí alguém pode querer se matar.

Afinal, trazem uma colher de sopa.

Ele comenta: “Fazem muito esse tipo de coisa, para humilhar você”.

6

Confissão: “Sou editor que lê, porque editor brasileiro infelizmente – são poucas as exceções – não lê, tem uma profunda alergia ao conteúdo do livro. Eu sou um editor fanático, leio livros que estou com vontade de publicar e até livros de outras editoras. Sou um leitor. E não só isso: sou releitor. Releio Machado de Assis com muita frequência, porque o acho magnífico”.

7

Ainda sobre o livro, Ênio Silveira conta:

Às vezes faço uma coisa até bastante indelicada. Vou à casa de alguém e pergunto:

– Que livros você tem?

Essa pergunta é frequentemente respondida com um olhar de espanto. Livros? As pessoas não têm ideia do que é ter livros em casa. Dizem:

– Acho que minha mulher tem uns por aí...