Em 11 de janeiro de 1996, o Brasil perdia uma de seus
estudiosos mais influentes: Ênio Silveira. Nascido em 18 de novembro de 1925 e
formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), Silveira foi
um importante editor brasileiro.
Iniciou sua carreira na Editora Civilização Brasileira,
assumindo a direção da editora em 1948, criando novas formas ao material o que
levou a um grande crescimento no mercado.
Lançou a revista Civilização Brasileira, marco do pensamento
político, cultural e de resistência à ditadura militar.
Entre os anos de 1964 a
1969, foi preso sete vezes por filiar-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB),
mas continuou sua carreira publicando temas políticos e sociais de pensadores
marxistas e também de oposição à ditadura no Brasil.
Por conta de suas crenças políticas, Ênio editava livros que
raramente chegavam ao Brasil, obras vistas como polêmicas aos olhos de parte da
sociedade brasileira.
Na seção “Cadernos do Povo Brasileiro”, escrevia sobre temas
da política nacional, de intervenção nas lutas sociais, como a Reforma Agrária,
por exemplo.
Quem comprava a coleção ainda recebia um caderninho de
poemas chamado “Violão de Rua”, em que publicava obras de importantes artistas
do Brasil, como o famoso poema de Vinícius de Morais, o “Operário em
Construção”.
O sociólogo foi uma das personalidades mais influentes dos
meios editoriais do Brasil durante décadas, principalmente durante a ditadura
militar.
À época do regime militar, chegou a editar um livro por dia e editou
cerca de 6 mil livros ao longo de sua vida.
Por todo o seu trabalho com a editora Civilização Brasileira
tornou-se memorável e uma marco na sociedade, encantando até o filósofo
Jean-Paul Sartre.
Sua morte foi uma grande perda para a cultura nacional,
sobretudo por sua defesa à democracia, à cultura brasileira e a
intelectualidade tipicamente brasileira.
A Editora Bertrand Brasil publicou a biografia de Ênio
Silveira, escrita por Moacyr Félix.
Vale a pena conhecer as ideias e o trabalho de um dos
maiores sociólogos brasileiros.
Alguns casos de Ênio Silveira, contados com aquela verve que
só ele tinha, foram recolhidos numa longa entrevista para uma série da Edusp,
“Editando o editor”.
Saiu um pequeno volume que acabou sendo uma raridade
bibliográfica.
É o que trago hoje para os leitores do CANDIRU, resumindo um
pouco.
1
Com 18 anos, Ênio procura emprego em São Paulo e quer ser
apresentado ao escritor-editor Monteiro Lobato. Uma amiga se oferece e o
convoca para seu apartamento, onde terá lugar o encontro. Ele entra e ela o
chama lá de dentro – do banheiro. Estava esfregando vigorosamente Lobato na
banheira, com uma escova. Ênio fica encabulado.
– Ué, você nunca viu um homem nu, menino? – diz a senhora.
– Já vi, mas nesta situação não.
– Senta aí, puxa uma banqueta.
Ênio sentou, achando-se com cara de cretino, enquanto
prosseguia o banho. Ali começou sua carreira de editor.
2
Anos depois, Lobato morre, e no seu enterro falam dois
oradores, um stalinista, Rossini Camargo Guarnieri, e outro trotskista, Phebus
Gikovate, cada qual reivindicando a honra de ter o famoso escritor como
correligionário. Os dois se xingam, vão às vias de fato, e acabam rolando na
cova aberta. A mulher de Lobato, dona Purezinha, não sabe se ri ou se chora.
Ênio se diverte. Achou aquela cena “um negócio maravilhoso”, digno de um filme
de Fellini.
3
Uma de suas prisões foi no dia do seu aniversário, 18 de
novembro, quando estava recebendo os amigos em casa. Aparece um oficial do
Exército, à paisana, para levá-lo preso. Ênio pede a sua mulher, Cleo, que diga
aos amigos para continuarem tomando o seu uísque. Vai preparar a maleta e,
quando volta, a camapainha toca. Era Antonio Callado. Ênio desconfia que vão
querer levar também o amigo, e faz de conta que se trata de um convidado
estrangeiro. Avisa assim o que está acontecendo:
– I’m being arrested this very moment. Take care.
Callado entra no jogo, respondendo em inglês, e depois vai
embora.
No carro, a caminho da prisão, o oficial pergunta:
– Conhece o Antonio Callado?
– Sim, conheço, sou muito amigo e editor dele.
– Onde é que ele está? É que tenho ordem de prendê-lo
também.
Ênio, então, informa que Callado está morando em Paris.
4
O editor da Civilização Brasileira vem andando pela rua
México e topa com um sujeito que o abraça efusivamente. Leva um susto:
– O senhor está abraçando a pessoa certa?
– O senhor não é o editor da Civilização Brasileira?
– Sou eu mesmo. Mas não estou reconhecendo o senhor...
– Como pode ter se esquecido de mim? Eu o prendi. Sou um
general. Sim, mas passado é passado.
– Mas por que o senhor me abraça?
– Pelo presente. O senhor tem toda razão. Isso que está aí é
uma merda. Eles são uns malucos totais, estão fodendo o país, estamos mesmo
perdidos.
5
Numa de suas prisões, Ênio se recusa a comer a gororoba que
lhe trazem.
– Está fazendo greve de fome? – pergunta o oficial do dia.
– Não, senhor. Estou com uma fome desgraçada.
– Então por que não come? É exatamente a mesma comida que os
praças comem.
– Mas eu tenho hábitos burgueses. Aprendi a comer com
talheres, com a mão eu não como. Por que não trazem talheres?
– É porque aí alguém pode querer se matar.
Afinal, trazem uma colher de sopa.
Ele comenta: “Fazem muito esse tipo de coisa, para humilhar
você”.
6
Confissão: “Sou editor que lê, porque editor brasileiro
infelizmente – são poucas as exceções – não lê, tem uma profunda alergia ao
conteúdo do livro. Eu sou um editor fanático, leio livros que estou com vontade
de publicar e até livros de outras editoras. Sou um leitor. E não só isso: sou
releitor. Releio Machado de Assis com muita frequência, porque o acho
magnífico”.
7
Ainda sobre o livro, Ênio Silveira conta:
Às vezes faço uma coisa até bastante indelicada. Vou à casa
de alguém e pergunto:
– Que livros você tem?
Essa pergunta é frequentemente respondida com um olhar de
espanto. Livros? As pessoas não têm ideia do que é ter livros em casa. Dizem:
– Acho que minha mulher tem uns por aí...