quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sete casos de Ênio Silveira


Em 11 de janeiro de 1996, o Brasil perdia uma de seus estudiosos mais influentes: Ênio Silveira. Nascido em 18 de novembro de 1925 e formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), Silveira foi um importante editor brasileiro.

Iniciou sua carreira na Editora Civilização Brasileira, assumindo a direção da editora em 1948, criando novas formas ao material o que levou a um grande crescimento no mercado.

Lançou a revista Civilização Brasileira, marco do pensamento político, cultural e de resistência à ditadura militar. 

Entre os anos de 1964 a 1969, foi preso sete vezes por filiar-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas continuou sua carreira publicando temas políticos e sociais de pensadores marxistas e também de oposição à ditadura no Brasil.

Por conta de suas crenças políticas, Ênio editava livros que raramente chegavam ao Brasil, obras vistas como polêmicas aos olhos de parte da sociedade brasileira.

Na seção “Cadernos do Povo Brasileiro”, escrevia sobre temas da política nacional, de intervenção nas lutas sociais, como a Reforma Agrária, por exemplo.


Quem comprava a coleção ainda recebia um caderninho de poemas chamado “Violão de Rua”, em que publicava obras de importantes artistas do Brasil, como o famoso poema de Vinícius de Morais, o “Operário em Construção”.

O sociólogo foi uma das personalidades mais influentes dos meios editoriais do Brasil durante décadas, principalmente durante a ditadura militar. 

À época do regime militar, chegou a editar um livro por dia e editou cerca de 6 mil livros ao longo de sua vida.

Por todo o seu trabalho com a editora Civilização Brasileira tornou-se memorável e uma marco na sociedade, encantando até o filósofo Jean-Paul Sartre.

Sua morte foi uma grande perda para a cultura nacional, sobretudo por sua defesa à democracia, à cultura brasileira e a intelectualidade tipicamente brasileira.

A Editora Bertrand Brasil publicou a biografia de Ênio Silveira, escrita por Moacyr Félix.

Vale a pena conhecer as ideias e o trabalho de um dos maiores sociólogos brasileiros.



Alguns casos de Ênio Silveira, contados com aquela verve que só ele tinha, foram recolhidos numa longa entrevista para uma série da Edusp, “Editando o editor”. 

Saiu um pequeno volume que acabou sendo uma raridade bibliográfica. 

É o que trago hoje para os leitores do CANDIRU, resumindo um pouco.

1

Com 18 anos, Ênio procura emprego em São Paulo e quer ser apresentado ao escritor-editor Monteiro Lobato. Uma amiga se oferece e o convoca para seu apartamento, onde terá lugar o encontro. Ele entra e ela o chama lá de dentro – do banheiro. Estava esfregando vigorosamente Lobato na banheira, com uma escova. Ênio fica encabulado.

– Ué, você nunca viu um homem nu, menino? – diz a senhora.

– Já vi, mas nesta situação não.

– Senta aí, puxa uma banqueta.

Ênio sentou, achando-se com cara de cretino, enquanto prosseguia o banho. Ali começou sua carreira de editor.

2

Anos depois, Lobato morre, e no seu enterro falam dois oradores, um stalinista, Rossini Camargo Guarnieri, e outro trotskista, Phebus Gikovate, cada qual reivindicando a honra de ter o famoso escritor como correligionário. Os dois se xingam, vão às vias de fato, e acabam rolando na cova aberta. A mulher de Lobato, dona Purezinha, não sabe se ri ou se chora. Ênio se diverte. Achou aquela cena “um negócio maravilhoso”, digno de um filme de Fellini.

3

Uma de suas prisões foi no dia do seu aniversário, 18 de novembro, quando estava recebendo os amigos em casa. Aparece um oficial do Exército, à paisana, para levá-lo preso. Ênio pede a sua mulher, Cleo, que diga aos amigos para continuarem tomando o seu uísque. Vai preparar a maleta e, quando volta, a camapainha toca. Era Antonio Callado. Ênio desconfia que vão querer levar também o amigo, e faz de conta que se trata de um convidado estrangeiro. Avisa assim o que está acontecendo:

– I’m being arrested this very moment. Take care.

Callado entra no jogo, respondendo em inglês, e depois vai embora.

No carro, a caminho da prisão, o oficial pergunta:

– Conhece o Antonio Callado?

– Sim, conheço, sou muito amigo e editor dele.

– Onde é que ele está? É que tenho ordem de prendê-lo também.

Ênio, então, informa que Callado está morando em Paris.

4

O editor da Civilização Brasileira vem andando pela rua México e topa com um sujeito que o abraça efusivamente. Leva um susto:

– O senhor está abraçando a pessoa certa?

– O senhor não é o editor da Civilização Brasileira?

– Sou eu mesmo. Mas não estou reconhecendo o senhor...

– Como pode ter se esquecido de mim? Eu o prendi. Sou um general. Sim, mas passado é passado.

– Mas por que o senhor me abraça?

– Pelo presente. O senhor tem toda razão. Isso que está aí é uma merda. Eles são uns malucos totais, estão fodendo o país, estamos mesmo perdidos.

5

Numa de suas prisões, Ênio se recusa a comer a gororoba que lhe trazem.

– Está fazendo greve de fome? – pergunta o oficial do dia.

– Não, senhor. Estou com uma fome desgraçada.

– Então por que não come? É exatamente a mesma comida que os praças comem.

– Mas eu tenho hábitos burgueses. Aprendi a comer com talheres, com a mão eu não como. Por que não trazem talheres?

– É porque aí alguém pode querer se matar.

Afinal, trazem uma colher de sopa.

Ele comenta: “Fazem muito esse tipo de coisa, para humilhar você”.

6

Confissão: “Sou editor que lê, porque editor brasileiro infelizmente – são poucas as exceções – não lê, tem uma profunda alergia ao conteúdo do livro. Eu sou um editor fanático, leio livros que estou com vontade de publicar e até livros de outras editoras. Sou um leitor. E não só isso: sou releitor. Releio Machado de Assis com muita frequência, porque o acho magnífico”.

7

Ainda sobre o livro, Ênio Silveira conta:

Às vezes faço uma coisa até bastante indelicada. Vou à casa de alguém e pergunto:

– Que livros você tem?

Essa pergunta é frequentemente respondida com um olhar de espanto. Livros? As pessoas não têm ideia do que é ter livros em casa. Dizem:

– Acho que minha mulher tem uns por aí...

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