quarta-feira, 20 de junho de 2012

Borderô


Zeca Pagodinho e Jovelina Pérola Negra estavam fazendo uma apresentação musical em um clube de Cascadura e ela não tinha dinheiro para voltar pra casa.

Alguém sugeriu que a cantora pegasse uma grana adiantada no caixa do clube para pagar o táxi e Jovelina não se fez de rogada.

O rapaz da bilheteria lhe deu a grana pedida e avisou:

– Olhe, dona Jovelina, eu estou lhe dando esse valor na maior confiança, mas depois vou descontar tudinho no seu borderô...

A cantora subiu nas tamancas:

– Rapaz, se oriente e me respeite! Se nem meu marido bolinou no meu borderô quando ainda estava vivo, não vai ser você, um zé ruela que estou vendo pela primeira vez, que vai bolinar agora! Eu sou viúva, mas sou direita, seu cabra safado!

A partir daí, a cantora começou a xingar o bilheteiro de tudo quanto é palavrão.

Foi um cu de touro explicar pra mulata que borderô não era sinônimo de buzanfã.

Coisa de milico


No início da carreira, o embaixador Maury Gurgel Valente, então casado com a escritora Clarice Lispector, servia junto à representação brasileira em Paris.

Numa recepção que promoveu nos salões da Embaixada, Maury convidou, entre outras pessoas, o escultor Alfredo Ceschiatti que estava de passagem pela cidade, e um major do Exército brasileiro que visitava a França em missão bélico-comercial, ou seja, comprar máquinas de extermínio.

Meio à festa povoada de ilustres personalidades, o major aproximou-se de Ceschiatti e sabendo-o escultor, perguntou-lhe:

– O senhor prefere mulheres brancas ou pretas como modelos?

Ceschiatti esquivou-se como pôde. Afinal, pouco importava a cor do modelo.

– Pois eu – declarou o major, enfático, num tom de voz que o fez ouvido por todos – não dispenso uma boa negra!

Percebendo o constrangimento que semeara em torno, corrigiu, diligente:

– Com exceção, naturalmente, das senhoras aqui presentes.

Prato do dia


Di Cavalcanti para a gerente de um rendez-vous (como se dizia) em Paris:

– O que temos para hoje?

Madame informou:

– Temos uma úmbria glabra, uma coreana de treze anos e um grumete norueguês virgem.

O Di, com ar de enfado:

– E em matéria de peixe?

Boca murcha


Após cruel desavença com um feroz desafeto de ocasião, na cidade de São Paulo, o ator Paulo César Pereio teve alguns dentes abalados – a maioria entre os mordedores frontais.

Faminto e com numerário deficiente, foi em busca de um restaurante de meia estrela que lhe mitigasse o apetite.

Encontrou-o no “Salada Paulista”, uma casa de pasto popularíssima pela qualidade e pelo preço da comida, desprezíveis ambos.

Pereio aproximou-se do caixa e, como era muito conhecido na cidade e querendo esconder sua qualidade de pré-desdentado, para livrar a imagem cochichou-lhe o comando, a mão tampando a boca:

– Me vê aí um prato-feito, companheiro. Pede pra caprichar no molho e diminuir a carne. Sabe, estou com uns dentes meio frouxos.

O caixa berrou para a cozinha no outro lado da casa apinhada:

– Ô Bixiga! Solta aí um PF pro ruço aqui! Carrega no molho que o freguês é só gengiva!

O azarão


O produtor de televisão Cícero Carvalho encontra na rua um amigo animadíssimo, alvissareiro:

– Cícero, meu velho, não tem erro! Chegou a hora de você lavar a burra! Amanhã, domingo, você vai no Jóquei e põe toda a grana que tiver em casa no cavalo Foge Daí, no quarto páreo. É mutreta dos caras. Um primo meu, que é jóquei, faz parte da armação. O cavalo é o maior azarão do mundo e vai pagar uma nota preta pra quem apostar nele. Vai lá, que com a grana que você tem em casa, tu podes quebrar a banca!

O Cícero, que odiava mexer com corrida de cavalo pois conhecia a fama do jogo, resolve ir ao hipódromo, atraído pelos zeros anunciados.

Esperou com paciência o quarto páreo e foi jogar. Consultou o programa para saber o número do tal animal eleito para a roubalheira e não encontrou. Procurou nos outros páreos. Nenhum Foge Daí. Fugiu dali.

Encontrou o amigo barbadeiro na segunda-feira, contentíssimo da vida, aos berros:

– Matei a pau! Matei a pau! Lavei brabo mesmo! E você? Quanto ganhou?

– Nem um puto. Você está é ficando maluco, cara. Não tinha nenhum cavalo com aquele nome correndo no domingo.

O ganhador meteu a mão no bolso, tirou o programa da véspera, exibiu-o triunfante, apontando no nome do cavalo ladrão:

– Não correu não, é? Não correu não, é? Você é analfabeto? Olha aqui! Quarto páreo!

O nome do cavalo era Foggy Day.

A cartomante


Elevador. Entram duas mulheres, uma jovem, outra idosa. A jovem é a futura escritora Clarice Lispector, nascida na pequena aldeia de Tchetchenillk, na Ucrânia.

Diz a idosa:

– Minha filha, me faça o favor de apertar o botão do sexto andar. Estou sem óculos, não enxergo quase nada.

– Com prazer – respondeu Clarice. “Mas como a senhora adivinhou que eu falo russo?”.

– Eu não adivinhei, minha filha. Eu não falo outra língua.

O aleijadinho


José Lewgoy, o ator oriundo de Veranópolis, destruiu seu carro e quase se destruiu numa batida na avenida Niemeyer.

Do acidente restou uma pequena sequela na perna, o que o obrigava, um pouco também por charme, a se apoiar física e moralmente numa bengala elegantíssima, de castão de mogno lavrado.

Numa fila de postulantes a um táxi no aeroporto, foi agraciado com um obséquio do PM encarregado do embarque dos passageiros.

Berrou o soldado, apontando para ele:

– Deixem primeiro passar esse aleijadinho aí!